01/11/2019 PEAC

 

Audiência pública em prol dos territórios de vida dos povos e comunidades tradicionais afetados pelo derramamento de óleo.

 

Em representação às comunidades presentes à audiência, a pescadora e agricultora Maria Izaltina, presidente da Associação Quilombola do município de Brejo Grande, ressaltou a necessidade de providências rápidas e urgentes, bem como o respeito aos modos de vida que dependem diretamente da natureza para a sua reprodução social. “São milhares de famílias de todo o litoral e da restinga que foram obrigadas a parar de pescar, de mariscar e de comercializar por conta de mais um crime ambiental causado pela exploração de petróleo. O Poder Público precisa se atentar e tomar providências urgentes. O nosso trabalho alimenta milhares de famílias e hoje eu sou os olhos dos pescadores e a voz dos quilombolas, porque sei o que é estar na lama”, destacou Izaltina.

Na percepção das/dos representantes de povos e comunidades tradicionais que vivem nos territórios atingidos, o aparecimento das manchas de óleo revela impactos mais profundos do que as questões visíveis a olho nu, como as dificuldades de dar continuidade às atividades produtivas realizadas pelas famílias pescadoras.

“Muitas de nós dependem do marisco, da pesca e da mangaba para sustentar as famílias. Com a contaminação do óleo, as pessoas em Aracaju não querem mais comprar nosso pescado, todos estão com medo. Além disso, estamos impedidas de continuar com outras atividades. O povoado onde moro vive do turismo também, e os turistas além de não quererem mais comprar o pescado, não querem mais visitar nossa praia”, afirmou a pescadora Josefina Santos, moradora do povoado Pontal, em Indiaroba.

Além da contaminação das praias, a redução do pescado e a salinização das águas dos estuários e dos rios foram outros impactos relatados pelas/os pescadoras/es artesanais, agricultoras/es e marisqueiras diante de representantes do Poder Público nos âmbitos municipal, estadual e federal.

Robério Manoel da Silva durante audiência em prol dos territórios de vida dos povos e comunidades tradicionais.

“A venda do pescado diminuiu quase 70% em Pirambu desde o aparecimento dessas manchas de óleo. A comunidade pede socorro, mas não sabe mais a quem recorrer, pois quanto mais o tempo passa, mais perdemos para os grandes empreendimentos”, destacou o pescador Robério Manoel da Silva, coordenador da Associação Quilombola do Pontal da Barra e um dos coordenadores do Movimento Quilombola de Sergipe.

 

DEFESA DOS TERRITÓRIOS DE VIDA

“O cheiro do mangue é o cheiro da minha pele, se o mangue morre eu morro junto com ele”, diz a marisqueira Geonísia Vieira, mais conhecida como Nice.

“O cheiro do mangue é o cheiro da minha pele, se o mangue morre eu morro junto com ele”. A declaração da marisqueira Ge

onísia Vieira, mais conhecida como Nice, moradora do povoado Muculanduba, em Estância, ajudou a temperar o caldo dos relatos emocionantes de lutas e de resistências coletivas por parte daqueles que enfrentam cotidianamente os inúmeros ataques aos seus territórios impulsionaram expressões de solidariedade. Como bem representou a pescadora Clécia dos Santos, moradora do povoado Preguiça, em Indiaroba, “Só quem vive a situação e sente na pele é quem sabe”.

São inúmeros os impactos já sofridos pelos povos e comunidades tradicionais e que demonstram que o aparecimento das manchas de óleo, longe de se tratar de um evento pontual e acidental, representa a continuidade de uma longa e cruel cadeia de descaso e de extermínio dos modos de vida desses povos.

“O avanço da carcinicultura e a demora em garantir a titulação de nossas terras são só alguns dos crimes que enfrentamos e que são acentuados pelo descaso do Estado”, ressaltou José Domenício, representante do movimento quilombola e morador do município de Brejo Grande.

“A exploração do petróleo por si só já devasta muito, mas não é só isso. O desmatamento do mangue, os viveiros de camarão e as instalações de resorts e especulação imobiliária impossibilitam as famílias pesqueiras de exercerem suas atividades e tudo isso não é de hoje. É preciso lembrar que os donos de resorts só crescem devido aos pescados vendidos pelas comunidades”, destacou Clécia dos Santos.

 

DEMARCAÇÃO DE TERRAS

A omissão e o descaso do Poder Público foram questões destacadas de forma unânime pelas comunidades presentes à audiência. Medidas anunciadas pelo governo, como a antecipação do pagamento do auxílio defeso, liberação de recursos para serviços complementares de limpeza do litoral e instalação de barreiras de plástico são vistas pelas comunidades como paliativas e sem eficácia diante da gravidade dos crimes ambientes sofridos cotidianamente por elas.

“O seguro-defeso é um direito e independente desse crime ambiental, muitos pescadores já nem estavam recebendo em dia. Ele não deve ser usado para minimizar os impactos de um crime que é causado pelas empresas com a conivência dos governos. Além disso, nem todos os que estão aqui recebem seguro-defeso”, destacou a extrativista Alícia Morais, moradora do povoado Pontal, em Indiaroba.

A demarcação das terras foi destacada por muitos como uma questão que se arrasta há muitos anos pela morosidade do Poder Público e que possibilita a ocorrência de crimes ambientais como o desmatamento dos mangues e o derramamento de óleo por parte da indústria petrolífera. Foram destacados especialmente a reserva extrativista do sul sergipano e o território quilombola de Pontal da Barra, no município da Barra dos Coqueiros nas reivindicações pela demarcação das terras.

“Não queremos compensação, queremos a demarcação do nosso território, a titulação dos territórios quilombolas. É por isso que os carcinicultores, os donos de resorts e hoteis se sentem à vontade para cercar e avançar sobre o nosso território. A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) precisa tomar sérias e urgentes providências sobre isso”,  reivindicou José Domenício.

José Domenício durante ato em defesa de vida dos povos e comunidades tradicionais.

 

AÇÕES INEFICAZES

Firmemente cobradas pelas vozes presentes à audiência, as representações do Poder Público sentadas à mesa não apresentaram soluções eficazes à resolução dos problemas relatados, a exemplo da superintendente da SPU, Jovanka Leal, quando questionada sobre as medidas que estão sendo tomadas pela SPU para dar celeridade à demarcação das terras indígenas e quilombolas e dos territórios pesqueiros.

“Temos limitações legais na SPU, nem todas as questões ambientais podem ser tratadas como prioridade. O ministro do Meio Ambiente já veio oito vezes a Sergipe, ou seja, estamos tentando resolver. O governo federal segue tentando descobrir quem são os responsáveis por esse acidente”, afirmou vagamente a representante da SPU, em meio às sonoras vaias recebidas pela população presente.

Por sua vez, o diretor-presidente da Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema), Gilvan Dias, apresentou as medidas que já estariam sendo tomadas para sanar o problema, mas que logo foram contrapostas pelas comunidades presentes. “Temos funcionários de plantão todos os dias, estamos lidando com o desgaste dos funcionários que têm que percorrer toda a costa realizando a coleta do material. Sergipe é o único estado em que o órgão ambiental tem agido para conter o derramamento com o custeio próprio do estado. Já foram recolhidas 38 toneladas de óleo”, afirmou.

“A cor da praia até hoje está impactada pelo óleo, que chegou a entrar na Foz do Estuário. Nós vimos pessoas da comunidade sendo contratadas para fazer a limpeza, devido à falta de profissionais capacitados para isso. Inclusive, limparam as manchas maiores, mas as menores continuam por lá”, destacou o pescador e educador Genisson Pinto, mais conhecido como “Fio”, morador do povoado Ponta dos Mangues, em Pacatuba.

Segundo o Procurador da República, Ramiro Rockenbach, o governo federal não está tomando as devidas providências quanto à gravidade deste crime ambiental. “Trata-se de um desastre ambiental sem precedentes e cada vez mais lamentamos mais como isso está chegando aos mangues e rios. Não é passeando de helicóptero que se resolve o problema e, independente de quem são os causadores deste crime ambiental, a legislação brasileira prevê a necessidade de ação urgente e imediata por parte do governo federal. Toda esta contaminação poderia ter sido evitada caso o governo tivesse acionado o Plano Nacional de Contingência”, afirmou o procurador, referindo-se ao Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), instituído em 2013, mas extinto pelo governo federal no mês de abril deste ano.

 

REIVINDICAÇÕES

Na ocasião, a pescadora Claudiane Bispo, moradora do Município de Brejo Grande, leu a carta de reivindicações relatando os impactos do derramamento de óleo no litoral nordestino, que tem como objetivo dialogar com a sociedade brasileira e com o Poder Público. A carta foi entregue às representações do Poder Público presentes à audiência. Acesse aqui a carta na íntegra.

Também estiveram presentes à mesa da audiência representantes da Defesa Civil, da OAB, Ministério Público Federal (MPF), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Procuradoria da República e Governo do Estado, entre outras representações do Poder Público.

Após a audiência, as/os representantes das comunidades seguiram em marcha pelo centro da capital sergipana com faixas, cartazes e gritos de ordem. No percurso, que teve início na Praça Camerino e seguiu até o Calçadão da Rua Laranjeiras, as/os pescadoras/es, as marisqueiras, agricultoras/es e catadoras de mangaba puderam dialogar com a sociedade sergipana a respeito dos impactos sofridos diretamente por elas/eles e sobre as formas de resistência nos territórios.

 

Ato em defesa dos territórios de vida dos povos e comunidades tradicionais

“Seguimos em defesa dos nossos territórios de vida, que são os locais onde moramos, trabalhamos e criamos a nossa família”, afirmou publicamente Genisson Pinto, o “Fio”. O ato chamou a atenção das pessoas que trabalham no Centro da cidade e da população que por ali transitava, ao entoar o coro dos povos e comunidades tradicionais em defesa dos territórios de vida:

“Tire óleo do caminho que eu quero passar

Tire o óleo do caminho que eu quero pescar

Tire o óleo do caminho que eu quero mariscar

Tire o óleo do caminho que eu quero catar

Tire o óleo do caminho, aqui é meu lugar”

(Fio, Pacatuba/Sergipe)

 

 A realização do PEAC é uma medida exigida pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo IBAMA.